quinta-feira, 27 de junho de 2019

That Dragon, Cancer





Esse é o mais famoso jogo "comercial de entretenimento" que vai fundo em um tema de saúde. Na verdade, de doença, porque não conseguimos separar as duas coisas...

That Dragon, Cancer foi lançado em 2016 e era "obrigatório" para mim, mas só tive coragem de jogar até o fim agora.

Pode ser uma história simples, a da luta contra o câncer do pequeno Joel durante 4 anos, mas impressiona como essa história sobre amor, fé, sofrimento, perda e luto é contada em um jogo. A própria imagem de capa acima já nos dá a pista de que o jogo combina delicadeza e coragem.
Nessa história autobiográfica, os personagens mostram suas fraquezas e vulnerabilidades, mas também sua coragem, que já está em colocar o nome da doença com todas as letras no título, além de desenvolverem o próprio jogo, é claro. Lembrei de uma colega que estava pesquisando discursos em torno do câncer, ela dizia que as pessoas evitavam usar a palavra e substituíam por "aquela doença".



O jogo não nos ensina sobre câncer ou tratamentos, o que ele faz é compartilhar conosco emoções profundas. Acho isso de uma generosidade enorme. Se eu estivesse passando por um luto como esse, acho que este jogo me ajudaria a chorar minha dor e entender que não estou sozinha, para poder seguir adiante depois. Ryan e Amy, os pais de Joel, eles mesmos gravaram suas falas para o jogo, basicamente explicando seus sentimentos. Haja coragem!



Ao mesmo tempo, Joel é uma criança. Sua infantilidade, suas brincadeiras, seu riso se misturam com todas as vivências. Nos trazem sentimentos misturados, pois o sofrimento vem porque há amor. Essa não é uma história só de sofrimento, mas é principalmente de amor. A leveza e o colorido das brincadeiras inocentes da criança convivem com a ameaça negra e espinhosa do câncer.



Aos interessados, recomendo que joguem. O jogo faz chorar, mas é um choro doce, para nos lembrar que a morte de um ente querido pode ser um processo terrível, mas que é possível viver o luto e seguir adiante.


Colo abaixo o discurso de Ryan, após ganhar a categoria “Games for Impact” do The Game Awards 2016
(link do original aqui)

“That Dragon, Cancer existe por conta da minha esposa Amy, dos meus filhos Kaleb, Isaac, Elijah e Zoey, do meu parceiro de negócios Josh, de nossa equipe, John, Brock, Ryan, Mike e Chris. De nossos amigos no Ouya, Kelly, Julia, Bob e Jared. De nossos mais de 3 mil apoiadores no Kickstarter. Por conta do Indie Fund e de toda essa indústria que acreditou que o jogo deveria existir.

Muitas vezes, em videogames, nós escolhemos como seremos vistos. Nossos avatares e nossos tweets, e o trabalho que fazemos são criados para retratar a história que nós queremos contar ao mundo, sobre por que nossas vidas importam. Mas, algumas vezes uma história é escrita em nós, ou graças a nós ou apesar de nós. E isso revela nossas fraquezas, nossas falhas, nossas esperanças e nossos medos.

Vocês nos deixaram contar a história de nosso filho Joel. No fim, não era a história que gostaríamos de contar. Mas vocês escolheram nos amar através de nosso luto, ao aceitarem parar, ouvir e não virarem as costas. Aceitaram deixar a história de meu filho Joel mudar vocês porque escolheram vê-lo e experienciar como nós o amamos.

E eu tenho esperança de que quando estamos dispostos a ver uns aos outros, não só por quem gostaríamos de ser, mas por quem somos e quem nós devemos ser, esse ato de amor e esse ato de graça podem mudar o mundo. Obrigado.”




Entrando no meu atual vício academicista, fui eu refletir sobre o limite do que é ou não jogo. Imaginei que este jogo está meio que no limite pois, qualquer que seja a ação do jogador, o final sempre será o mesmo. Lembrei que muitas tentativas de definir jogo que passam por "Jogar é fazer mudanças que alteram a experiência de modo significativo e que não tem paralelo em filmes ou livros" (FRAGOSO, AMARO, 2018). Mas o Marcelo de Vasconcelos veio com uma boa saída "Isso é retórica procedimental. O final do jogo é sempre o mesmo porque a morte do Joel é inevitável".
Pois é, como bem defende Aarseth, as definições de jogo flutuam conforme mudam os contextos em que estão inseridas, nenhuma está errada, se atender ao contexto em que está sendo usada.

domingo, 23 de junho de 2019

What Remains of Edith Finch também fala de intoxicação doméstica




What Remains of Edith Finch pode ser classificado como "simulador de caminhada", desenvolvido pelo estúdio Giant Sparrow. Está disponível para jogar no PC, no PlayStation ou no XBox. Como Edith, você explora a gigantesca casa dos Finch, encontrando textos que dão pistas sobre a história da morte de cada membro da família. Cada texto é desvendado com sua própria mecânica de jogo, revelando também um pouco da personalidade de cada parente. A primeira história é claramente sobre morte por intoxicação causada pela ingestão de coisas comuns, dentro de casa, embora receba uma bela camada de fantasia.


- - - - A PARTIR DAQUI COMEÇAM OS SPOILERS - - - - - 


A primeira história é a de Molly Finch, que dois dias depois de fazer dez anos de idade é mandada para cama sem jantar como castigo (engraçado que vejo muito esse castigo em filmes, nunca ouvi falar disso aqui no Brasil, no meu tempo castigo era chinelada mesmo). 
A história foi escrita pela própria Molly, em seu diário que encontramos em uma mesa de seu quarto, convertida em memorial pela mãe. 

Querido diário,
Logo não estarei mais aqui, mas queria contar para alguém o que vai acontecer. Tudo começou quando minha mãe me mandou para cama sem jantar.

A menina conta que acordou no meio da noite com muita fome, e começou a procurar alguma coisa para comer.  



Ela come um pedacinho de cenoura velha já roída da gaiola do gerbil de estimação, depois vai procurar os doces que ganhou no Halloween mas eles já se acabaram há muito tempo, já está perto do Natal. 
A menina está com tanta fome que pensa até em comer o peixinho do aquário, mas se contém.









No banheiro, ela esvazia um tubo inteiro de creme dental na boca, foi aí que comecei a desconfiar qual seria a causa da morte de Molly, pois um tubo inteiro de creme dental pode ter uma quantidade de flúor suficiente para causar intoxicação aguda em uma criança. 





Eu passei a ter certeza que o destino de Molly era morrer intoxicada quando ela escreve que comeu muitas coisas naquela noite e vemos ela comer os frutos do azevinho. O azevinho é bastante tradicional como enfeite de Natal, mas é uma planta tóxica e a literatura indica que a ingestão de 20 a 30 dos seus frutos pode levar um adulto à morte. 





Depois disso a menina continua narrando tudo que estava fazendo, dessa vez ela parece que começa a delirar, ou apenas era uma mente brilhante para criar histórias fantásticas mesmo. Ela conta que abre a janela e de repente é um gato! Nesse momento jogamos perseguindo um pássaro, pois ela continua faminta. Logo ela passa a ser uma coruja e capturamos um coelhinho. A fome é grande e em seguida caçamos um coelho maior. Em mais um instante ela é um grande tubarão e perseguimos focas "gordas e suculentas". Por fim, ela passa a ser um monstruoso polvo e invade um barco para devorar toda a tripulação. A fome nunca acaba e o monstro viaja pelo esgoto, saindo no quarto da própria Molly. Em mais um instante somos Molly novamente em primeira pessoa, que agora imagina que o monstro está embaixo da cama esperando para devorá-la. Ela encerra que em breve o monstro se cansará de esperar e que ela será deliciosa...
Assim acaba a história e imaginamos que ela morreu em sua cama.

Este foi mais um exemplo de que jogos de entretenimento também são produções culturais que podem tratar de questões de saúde, já que este é um assunto relevante que diz respeito a todos nós. Intoxicação não é o único tema em saúde do jogo, já que este trata de basicamente de morte, mas dou destaque especial à intoxicação aqui.

Caso queira ler mais sobre intoxicação no Brasil, consulte o site do Sinitox.

EM CASO DE INTOXICAÇÃO LIGUE 0800 722 6001