segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Papo & Yo - álcool e traumas de infância


Vander Caballero
Papo & Yo é um jogo lindísimo, todo feito de metáforas dos traumas de infância do diretor criativo Vander Caballero, co-fundador do estúdio canadense Minority. Caballero passou sua infância na Colômbia, cujas favelas inspiraram os cenários do jogo. Como na Colômbia, e na família de Caballero, o Brasil é bastante popular, foram acrescentados também elementos mais brasileiros, como os traços étnicos do protagonista, que é mulato. Tudo é lindo, as imagens, a trilha sonora.
Pode parecer que estou colocando spoiler aqui, mas tudo que escrevo também está disponível no material de divulgação e em entrevistas.
O protagonista aos poucos vai se metamorfoseando em um guerreiro.
Os personagens são metáforas diretas. O monstro é o pai alcoólatra do garoto, que quando engole um sapo fica muito violento (ou seja, quando bebe, mas também assumi a nossa expressão para engolir sapo lembrando dos caras que ficam com raiva do chefe e descontam na família). Também há uma referência ao abuso sexual (pelo menos na minha interpretação, né?) quando o monstro enfurecido come (no sentido deglutitivo) uma menina, e quando a mesma depois é representada como bonecas. Essa parte para mim foi bem tocante. 
É uma história sobre traumas de infância. O próprio Caballero fala que um jogo aubiográfico é uma forma de terapia pois "A única maneira de se libertar de um passado horrível é falando abertamente sobre ele, com um amigo, através da arte, através de videogames." 
Há uma coisa bem triste nesta história, que é a conclusão de que para este monstro não há cura. Só resta sobreviver, esquecer e seguir adiante com a sua própria vida. Me lembra que, no campo da saúde mental, o álcool é considerado a droga que causa mais danos aos usuários e a terceiros. Imagino que para o alcoolismo não há cura, no sentido de que em qualquer ocasião que o alcoólatra venha a beber a coisa não vai dar certo, mas há tratamento. Nem que seja só psicológico. Deve haver esperança.




quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

ALZ - Uma experiência sobre o Alzheimer



ALZ é um jogo curto, triste e bonito. Apesar do título que coloquei, sei que ele não cobre o que é ter Alzheimer, mas proporciona uma experiência melancólica e até bela. Não acredito que um jogo deva ser como uma enciclopédia sobre o assunto. Vejo como uma manifestação artística sobre o esquecimento, a confusão, mas de maneira até doce. A trilha sonora é linda e dá o tom do jogo.





BioShock - Objetivismo e saúde


BioShock é um dos jogos selecionados para análise na minha dissertação de mestrado, mas acho que já posso fazer aqui um spoiler despretensioso e em uma escrita não científica.
A história se passa em 1960 em uma cidade submarina que não tem governante, mas tem dono, o tal do Andy Ryan, nome criado para fazer alusão à capeta filósofa Ayn Randodiada conhecida por desenvolver um sistema filosófico chamado de Objetivismo, que a primeira vista pode até parecer bonitinho para algum desavisado, mas na verdade prega o sistema do cada-um-por-si.
Você chega na cidade e está tudo aquela zorra, está havendo uma guerra civil, mas vamos à saúde.
Pelos ideais do poderosão Andy Ryan todo mundo que não dá lucro para ele é chamado de parasita. O discurso dele é "O homem talentoso cria coisas incríveis e vai lá o parasita e diz que tem direito à sua parte. O fazendeiro trabalhador produz comida com seu suor e vai lá o parasita e quer comer também. O parasita fica doente e quer que o médico vá lá curar ele de graça." Até saúde pública o cara acha indecente porque ajuda o tal do parasita, que tem mais é que morrer.

Lembrei até do Justo Veríssimo do Chico Anysio (gente, eu não sou tão velha não, tá?)
Com essa filosofia, o poderosão também acha que a pesquisa e desenvolvimento podem correr soltos, usando criancinha órfã e recrutando "voluntários". Liberdade lá é só para quem está podendo, parasita tem mais é que morrer. Dá para notar que a história de fundo é sobre como o Objetivismo não pode dar certo.
Dessa P&D "super legal" surgem substâncias que tem efeitos realmente mágicos e são amplamente comercializadas naquela cidade. Só esqueceram de falar nos efeitos colaterais que são deformidades, loucura e morte. Coisinhas insignificantes comparadas ao lucro daquele comércio. Lá vai crítica ao complexo produtivo e de inovação em saúde.
Pois é... Aí entra mais um tema importante na saúde. Conforme vamos avançando pela cidade, somos atacados por um pessoal mucho loco que chega gritando. São os tais dos splicers, pessoas que eram cidadãos normais como enfermeiras, médicos, donas de casa, músicos, etc, mas que agora, depois de usarem muito das tais substâncias, são soldados muito loucos controlados à distância pela elite polarizada da cidade com o uso de feromônios. Com eles não tem conversa, a gente vai matando todo mundo. 

Um splicer vestido de cirurgião atacando o avatar.
Aí percebi uma coisa interessante, fora do jogo, os jogadores por aí chamam os splicers de zumbis. Mas os splicers não estão mortos, eles estão vivos. Eles também não comem cérebros. A condição deles também não é contagiosa. Ninguém vira splicer se for mordido por um. Aaaahhhh, aí eu me lembro de um outro pessoal que na nossa realidade material também é chamado de zumbi: os usuários de crack! Comparados a zumbis, eles perdem simbolicamente a humanidade, viram objetos, coisas sobre as quais as "autoridades" podem fazer o que quiserem sem perguntar. Afinal, zumbi não tem opinião, não é?
Me remeteu à discussão do documentário "Crack, repensar" (2015), que recebeu o prêmio de Melhor Curta Metragem pelo Júri Popular do REcine 2015. No final do trailer tem até cena de jogo de zumbi:



Essa associação automática com zumbi da pessoa com problemas de saúde mental me parece bastante perigosa, viu? Arranca a humanidade e subtrai os direitos de cidadão em um piscar de olhos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

The Town of Light - Um jogo sobre um manicômio italiano


Neste momento de indignação com a nomeação de um ex-diretor de manicômio para a Coordenação Nacional de Saúde Mental, resolvi escrever sobre mais um jogo de entretenimento investido de um importante tema da saúde: The Town of Light, que deve ser lançado em fevereiro de 2016.
The Town of Light é um jogo de terror psicológico em primeira pessoa passado no asilo psiquiátrico de Volterra, no norte da Itália, que foi fechado por uma lei de 1978, juntamente com todos os outros manicômios italianos. Hum... Acho que o fato de ter sido feito um jogo de terror ambientado em um manicômio é sinal de que não era um lugar legal para se ficar... O asilo real abandonado por si só já me assusta:

O jogo tem como objetivo explorar as memórias de Renée, que havia sido internada aos 16 anos de idade. Ele se inicia nos tempos atuais, perto do asilo, e o jogador entra no lugar em ruínas guiado pela voz de Renée. Este explora ambientes realistas baseados nas ruínas reais e encontra documentos que o fazem voltar no tempo e encontrar lembranças confusas e tortuosas através dos olhos de Renée.
Pois é... Eu ainda não joguei e acho que nem vou jogar porque morro de medo de terror. Me pelei de medo só com as imagens do demo abaixo:

Os manicômios deixaram cicatrizes na história da Itália, e The Town of Light é um jogo que deseja manter vivas as lembranças do que aconteceu, com foco em questões de doença mental que existem na nossa sociedade.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

TRAUMA


TRAUMA é um jogo independente sobre uma mulher que sofreu um acidente de carro e está se recuperando internada em um hospital. Na verdade, esta é a história de fundo que entendemos pelo trailer do jogo. O jogo em si não é sobre a internação mas sobre os sonhos dela nesse período e as memórias que se misturam difusas.
O jogador percorre belíssimos cenários fotográficos noturnos, faz e refaz caminhos, recolhe memórias, encontra estranhos símbolos, tenta resolver quebra-cabeças com coleções de imagens e movimentos gestuais. Os ambientes são sempre lindos, solitários, difusos... Os quebra-cabeças são surpreendentes.
Além da beleza da atmosfera, o que me inspira nesse jogo é a capacidade de contar uma história específica de maneira tocante, mesmo para mim que nunca sofri um trauma como esse.


sábado, 1 de agosto de 2015

Surgeon Simulator

http://www.surgeonsim.com/



Este “simulador de cirurgião” é uma piada. Ele nasceu em uma Game Jam e hoje é vendido para diversas plataformas. Você controla o braço esquerdo de um cirurgião para fazer transplantes de vários órgãos. O resultado é uma bagunça. Você quebra as costelas do paciente, voa osso para todo lado, tira um pulmão, ele cai atrás da mesa de cirurgia. É muito difícil controlar esse braço e o paciente morre na maioria das vezes.


O protagonista (o tal do cirurgião) é todo errado. Logo no início a gente descobre que ele usa remedinho que passarinho não toma. Ele usa um relógio que nos primeiros movimentos solta do pulso e vai cair lá no meio dos órgãos do paciente. Logo depois a imagem fica psicodélica por causa dos remedinhos que ele toma.  Não consigo!

Pois é... Uma grande piada com cirurgias de alta complexidade que virou sucesso mundial...

segunda-feira, 27 de julho de 2015

SUS: The Game - Brazilian Hospital Simulator




Este é um newsgame sentando o pau no SUS. Seguem dois links:

Me deixa revoltada. Sabe aquele ditado da USP “Enquanto você dorme o japonês estuda”? Pois é... Para mim é “Enquanto você dorme o coxinha mete o malho no SUS”. Os desenvolvedores contaram em entrevista que fizeram este jogo para um evento internacional de games e queriam MOSTRAR PARA O MUNDO como é o Sistema Único de Saúde brasileiro.
Acho que as pessoas têm direito de criticar os serviços públicos sim, o problema é fazer isso de maneira alienante, que não mostra a realidade e ainda esconde os reais culpados pelas lambanças. Por exemplo, tem um momento em que você entra em uma sala pensando que vai ser atendido e... RÁ!  Pegadinha do Malandro! É a sala da Copa do Mundo no Brasil.

Quer dizer que o hospital é ruim porque o dinheiro foi para a Copa? O circo dos trouxas? Eles são de São Paulo, por que não colocaram então o Geraldo Alckmin desviando verba do Ministério da Saúde? Nem devem saber que os Princípios Organizativos do SUS são descentralização, regionalização e hierarquização. Vão estudar sobre o quê vocês estão reclamando, meninos!











Bem, para mim agora pesa nos ombros a responsabilidade de desenvolver um jogo que fale sobre a importância do SUS, o que há de insubstituível nele (que a saúde privada não faz e nem quer fazer), sobre como ele funciona, sobre como ter acesso aos serviços e mil coisas mais. Fica a dica:










domingo, 26 de julho de 2015

Gone Home



Gone Home é um jogo em primeira pessoa em que exploramos um ambiente e vamos juntando os pedaços de uma história. É muito bom! Lá fui eu jogar apavorada desde o início, porque o jogo acontece em um casarão no meio do mato, à noite e durante uma tempestade. Eu encarnei a irmã mais velha da verdadeira protagonista da narrativa, chegando naquela casa que nunca havia conhecido, depois de passar um ano na Europa. Puxa vida, chego no meio de uma tempestade e não tem ninguém para me receber.

Fui explorando aquele lugar escuro com um medo constante de encontrar um fantasma ou um cadáver a cada porta que abria. Até pentagrama demoníaco achei no sótão. Na verdade o jogo estava me trollando. Encontrei uma banheira com manchas vermelhas - Oh meu Deus! É sangue! - mas era tinta de cabelo. As coisas assustadoras eram só vestígios inocentes da minha irmãzinha, que entrou na adolescência e andou tomando aquele gosto de menina revoltada por coisinhas punk. Na verdade, o cartaz mais apropriado para história que descobri no jogo deveria ser esse aqui ao lado, olha só:


Mas... e a saúde? Ah... Não é que encontrei a danada lá?! Mas como ela é plural, está em todo lugar mesmo...
Encontrei um trabalho de escola da minha irmã sobre o ciclo menstrual. A tarefa consistia em ler frases fora de ordem de eventos que iam da ovulação até o início da menstruação e depois re-escrever na ordem correta. A danada da garota não se contentou com isso e acrescentou uma história passada na Polônia durante a II Guerra Mundial, em que, enquanto o óvulo fazia seu caminho sem ser fecundado, a protagonista sobrevivia a um ataque alemão e via seu amado morrer, junto com tantas outras pessoas. Segue abaixo a segunda página do trabalho:

Rá! Essa minha irmã não é mole! Pegou aquele texto típico da biomedicina, moldado por uma racionalidade científica médica que separa as coisas que acontecem no nosso corpo da nossa vida, e acrescentou uma história incrível. Me fez lembrar um problema detectado pelo departamento de DST e Aids do Ministério da Saúde: o material de comunicação de assuntos da saúde é ineficiente porque não dialoga com a vida cotidiana dos jovens. 
Claro que o contraste do texto “chapa branca” do exercício com a história dramática de guerra deixou um tom bem irônico no conjunto. O recado da professora “See me!” me deu calafrios. Claro que a garota foi castigada por sua insolência! Que nada. A professora a chamou para reconhecer seu talento para escrever e a convidou para participar de uma outra atividade de redação muito mais legal. Ah, como o mundo é belo nesse jogo...