Papo & Yo é um jogo lindísimo, todo feito de metáforas dos traumas de infância do diretor criativo Vander Caballero, co-fundador do estúdio canadense Minority. Caballero passou sua infância na Colômbia, cujas favelas inspiraram os cenários do jogo. Como na Colômbia, e na família de Caballero, o Brasil é bastante popular, foram acrescentados também elementos mais brasileiros, como os traços étnicos do protagonista, que é mulato. Tudo é lindo, as imagens, a trilha sonora.
Pode parecer que estou colocando spoiler aqui, mas tudo que escrevo também está disponível no material de divulgação e em entrevistas.
O protagonista aos poucos vai se metamorfoseando em um guerreiro.
Os personagens são metáforas diretas. O monstro é o pai alcoólatra do garoto, que quando engole um sapo fica muito violento (ou seja, quando bebe, mas também assumi a nossa expressão para engolir sapo lembrando dos caras que ficam com raiva do chefe e descontam na família). Também há uma referência ao abuso sexual (pelo menos na minha interpretação, né?) quando o monstro enfurecido come (no sentido deglutitivo) uma menina, e quando a mesma depois é representada como bonecas. Essa parte para mim foi bem tocante.
É uma história sobre traumas de infância. O próprio Caballero fala que um jogo aubiográfico é uma forma de terapia pois "A única maneira de se libertar de um passado horrível é falando abertamente sobre ele, com um amigo, através da arte, através de videogames."
Há uma coisa bem triste nesta história, que é a conclusão de que para este monstro não há cura. Só resta sobreviver, esquecer e seguir adiante com a sua própria vida. Me lembra que, no campo da saúde mental, o álcool é considerado a droga que causa mais danos aos usuários e a terceiros. Imagino que para o alcoolismo não há cura, no sentido de que em qualquer ocasião que o alcoólatra venha a beber a coisa não vai dar certo, mas há tratamento. Nem que seja só psicológico. Deve haver esperança.
ALZ é um jogo curto, triste e bonito. Apesar do título que coloquei, sei que ele não cobre o que é ter Alzheimer, mas proporciona uma experiência melancólica e até bela. Não acredito que um jogo deva ser como uma enciclopédia sobre o assunto. Vejo como uma manifestação artística sobre o esquecimento, a confusão, mas de maneira até doce. A trilha sonora é linda e dá o tom do jogo.
BioShock é um dos jogos selecionados para análise na minha dissertação de mestrado, mas acho que já posso fazer aqui um spoiler despretensioso e em uma escrita não científica.
A história se passa em 1960 em uma cidade submarina que não tem governante, mas tem dono, o tal do Andy Ryan, nome criado para fazer alusão à capeta filósofa Ayn Rand, odiada conhecida por desenvolver um sistema filosófico chamado de Objetivismo, que a primeira vista pode até parecer bonitinho para algum desavisado, mas na verdade prega o sistema do cada-um-por-si.
Você chega na cidade e está tudo aquela zorra, está havendo uma guerra civil, mas vamos à saúde.
Pelos ideais do poderosão Andy Ryan todo mundo que não dá lucro para ele é chamado de parasita. O discurso dele é "O homem talentoso cria coisas incríveis e vai lá o parasita e diz que tem direito à sua parte. O fazendeiro trabalhador produz comida com seu suor e vai lá o parasita e quer comer também. O parasita fica doente e quer que o médico vá lá curar ele de graça." Até saúde pública o cara acha indecente porque ajuda o tal do parasita, que tem mais é que morrer.
Lembrei até do Justo Veríssimo do Chico Anysio (gente, eu não sou tão velha não, tá?)
Com essa filosofia, o poderosão também acha que a pesquisa e desenvolvimento podem correr soltos, usando criancinha órfã e recrutando "voluntários". Liberdade lá é só para quem está podendo, parasita tem mais é que morrer. Dá para notar que a história de fundo é sobre como o Objetivismo não pode dar certo.
Dessa P&D "super legal" surgem substâncias que tem efeitos realmente mágicos e são amplamente comercializadas naquela cidade. Só esqueceram de falar nos efeitos colaterais que são deformidades, loucura e morte. Coisinhas insignificantes comparadas ao lucro daquele comércio. Lá vai crítica ao complexo produtivo e de inovação em saúde.
Pois é... Aí entra mais um tema importante na saúde. Conforme vamos avançando pela cidade, somos atacados por um pessoal mucho loco que chega gritando. São os tais dos splicers, pessoas que eram cidadãos normais como enfermeiras, médicos, donas de casa, músicos, etc, mas que agora, depois de usarem muito das tais substâncias, são soldados muito loucos controlados à distância pela elite polarizada da cidade com o uso de feromônios. Com eles não tem conversa, a gente vai matando todo mundo.
Um splicer vestido de cirurgião atacando o avatar.
Aí percebi uma coisa interessante, fora do jogo, os jogadores por aí chamam os splicers de zumbis. Mas os splicers não estão mortos, eles estão vivos. Eles também não comem cérebros. A condição deles também não é contagiosa. Ninguém vira splicer se for mordido por um. Aaaahhhh, aí eu me lembro de um outro pessoal que na nossa realidade material também é chamado de zumbi: os usuários de crack! Comparados a zumbis, eles perdem simbolicamente a humanidade, viram objetos, coisas sobre as quais as "autoridades" podem fazer o que quiserem sem perguntar. Afinal, zumbi não tem opinião, não é?
Me remeteu à discussão do documentário "Crack, repensar" (2015), que recebeu o prêmio de Melhor Curta Metragem pelo Júri Popular do REcine 2015. No final do trailer tem até cena de jogo de zumbi:
Essa associação automática com zumbi da pessoa com problemas de saúde mental me parece bastante perigosa, viu? Arranca a humanidade e subtrai os direitos de cidadão em um piscar de olhos.
The Town of Light é um jogo de terror psicológico em primeira pessoa passado no asilo psiquiátrico de Volterra, no norte da Itália, que foi fechado por uma lei de 1978, juntamente com todos os outros manicômios italianos. Hum... Acho que o fato de ter sido feito um jogo de terror ambientado em um manicômio é sinal de que não era um lugar legal para se ficar... O asilo real abandonado por si só já me assusta:
O jogo tem como objetivo explorar as memórias de Renée, que havia sido internada aos 16 anos de idade. Ele se inicia nos tempos atuais, perto do asilo, e o jogador entra no lugar em ruínas guiado pela voz de Renée. Este explora ambientes realistas baseados nas ruínas reais e encontra documentos que o fazem voltar no tempo e encontrar lembranças confusas e tortuosas através dos olhos de Renée.
Pois é... Eu ainda não joguei e acho que nem vou jogar porque morro de medo de terror. Me pelei de medo só com as imagens do demo abaixo:
Os manicômios deixaram cicatrizes na história da Itália, e The Town of Light é um jogo que deseja manter vivas as lembranças do que aconteceu, com foco em questões de doença mental que existem na nossa sociedade.